sábado, 2 de outubro de 2010

De Bico Bem Calado






Que delícia, acordar de leve, lembrar que é domingo, sorrir, esticar o corpo, virar para outro lado e voltar a dormir... Cochilo mais um tempinho e sem esforço nenhum, noto que alguém ligou a TV...rodou todos os canais umas duas vezes pelo menos (homem vive sem controle remoto?). Entre uma pescada e outra, qdo dei por mim... era um desses filminhos que vc começa assistir e vai, vai, vai, quase sem querer...vc vai ficando.
Uma sinopse: se passa numa pequena aldeia, Little Wallop na Inglaterra, perto do mar, nos dia de hoje. É sobre um pastor muito dedicado e correto (é o mesmo ator de Mr Bean, e pode acreditar: ele fazendo papel sério chega ser quase tão engraçado qto seu papel engraçado). Ele e sua família estão atravessando uma fase daquelas: o pastor se entrega exageradamente aos seus deveres da Igreja e sua devoção para com o Senhor, não sobrando assim, tempo e energia para sua ardente esposa, que por sua vez, se entrega não menos exageradamente, ao senhorito seu amante, na pele de Patrick Swayze ainda nos bons tempos (sacanagem ter Mr Bean como marido e Swayze como amante, isso deve aumentar ainda mais a culpa da pobre moça). Eles planejam viajar para o México, e no decorrer do filme ele se revela um baita cafajeste. Como se não bastasse essa “doooor de cabeça”, o pastor ainda conta com uma filha adolescente ninfomaníaca, daquelas que transam dentro de uma Kombi, na porta de casa, domingo de manhã, com o quarto ou quinto garoto no espaço de 3 ou 4 semanas que é o tempo que se passa a história. Penso que para uma mãe, o delito mais grave dessa parte é...vejamos... a Kombi. Bom, isso não importa. Bem ativa a menina né. E temos ainda o filho menor, que sofre um leve bullying na escola.
Até ai, o caro leitor deve ter notado que a última coisa que encontrará aqui, são filmes-cabeça, daqueles que ninguém entende p nenhuma (nem curte), mas para ser diferente, faz cara de conteúdo, e diz que adora... ah e que “vê” coisas que ninguém vê...
Continuando a saga do pastor, ele passa os dias muito preocupado, preparando um discurso que deve apresentar em breve em uma convenção da Igreja, e que a julgar pelo número de fiéis que ele vem perdendo em seus sermões, deverá ser um desastre. Os Goodfelow ainda têm que driblar uma vizinha fofoqueira e carola que persegue o pastor com assuntos menores da Igreja, como o Comitê de Arranjos Florais (Não sabiam que existe um comitê para isso? Eu tb não) e tb o vizinho rabugento, que coloca seu cão para fora de casa toda noite, fazendo com que ele lata a noite toda sem parar.
Contudo, uma nova governanta chega a casa dos Goodfelow; uma ex-presidiária, libertada há um mês, depois de ter cumprido pena durante 35 anos pelo assassinato de seu marido infiel.
E as coisas começam a mudar. Ela passa a ser o anjo da guarda da casa. A tudo dá jeito, um alívio imediato. (A Grace, esse é o nome dela, é meu sonho de “consumo”, sempre sonhei ter alguém assim em casa). Porém, ela resolve as coisas de um modo muito peculiar, nada convencional: elimina um a um, todos que atrapalham o sossego e bem estar da família. Entenda-se por eliminar, executar mesmo, matar. Somente no final do filme é revelado o pq de tanta dedicação: no passado, qdo Grace foi presa, estava grávida de uma menina, que é a esposa do pastor, então.
Os dias passam e a vida “melhora”. É um humor negro e refinado; uma comédia, com fundo dramático...trágico. Lembra “Uma Loucura de Casamento”.
O pastor finalmente entende que falta um pouco de humor e leveza em seu sermão e consegue elaborar um discurso que viria a ser um sucesso na convenção. Se propõe a discursar então sobre os Mistérios de Deus. Ele dizia mais ou menos o seguinte: “nas adversidades da vida, algumas situações requerem que se faça algo efetivamente, que se solucione o problema, que se tome decisões, atitudes. No entanto, outras situações necessitam de um pouco da graça de Deus...” E ele repete pausada e calmamente “da Graça de Deus”, como que lembrando dos “milagres” operados pela governanta Grace. Parece que só aí ele se dá conta das transformações e bênçãos que ela trouxe a ele e sua família. E em estado de graça, ele termina seu discurso. Ora, viajei demais ou tem aí uma piadinha? Um pastor bom e fervoroso agradecendo na sua fé, ao seu Deus a obra do suposto anjo (caído) da guarda que foi enviado para consertar sua vida. Sem saber, ele compactua com o mal por ele tão repelido, ele abriga, dá gloria a Deus a uma mulher que exterminou nada menos que 3 pessoas e um cachorro, corrompendo ainda sua mulher e sua filha, que sendo respectivamente filha e neta da governanta, não só compactuam com seus crimes, como tb aprendem direitinho “como fazer”.
Li em algum lugar que talvez isso se reportasse a fragilidade da linha que separa o bem do mal, como é tênue, sutil o limite entre certo e errado. Sei não, só se se prevaleceram de uma forma beeeem caricata para expor esse lado, pq não me parece haver nada de sutil em se estar morto ou não, em se matar ou não... nada tênue...rs
Mas é certo que é uma piada (uma provocação, uma ironia talvez), como é certo que o modus operandi da Grace tb não é o “certo”. Sobretudo não há aí intenções morais, não há condenações, não há culpa...muitas viagens podem surgir daí... cada um pensa o que quiser: budistas poderiam associar a graça de Deus a não-ação, quem sabe... os melindrosos diriam “desconfie qdo as coisas vão bem”... e por aí vai...Em se tratando de religião, muitos caminhos são possíveis... até mesmo perceber como Deus, seja ele qual for, é um só.
O que impressiona, o ponto forte ou a “mensagem” única (apesar de serem possíveis outras conotações...destino, sorte...) fica por conta mesmo do discurso, não por ele em si, mas pelo significado, pelo alcance. As pessoas têm vergonha de falar de Deus (a menos que seja o “Deus” do momento, da moda, semi-deuses inventados, se revestem de ícones, corpos e casas, anunciam sua crença, proclamam teorias... acho tudo muito duvidoso...) É preciso coragem para falar de Deus; não falo de religiões ou igrejas, falo do sentimento de Deus (único) e de como opera sua graça. Deus nos dá asas, religiões, gaiolas.