sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Cães em nossas vidas...


O ser humano é mesmo uma coisa inexplicável. Bom, pelo menos eu acho que sou uma coisa inexplicável, e ... como eu sou um ser humano (sou?), generalizei.
Durante anos eu reclamei do bicho. Isso está longe de significar que eu não gostasse dele. Mas reclamava do trabalho e dos cuidados que ele exigia. Falo de um Golden Retriever de cinco anos, tão lindo quanto travesso. E podem acreditar no que eu digo: ele é beeeem pior que o Marley do filme “Marley e eu”... mas tudo bem, porque a Jenny Aniston é infinitamente beeeem melhor que eu (ah, tudo bem, eu nem queria ter namorado o Brad Pitt mesmo, e daí rs), então, está tudo certo, voltemos ao foco.
O fato é que eu nunca gostei dessas coisas pequenas, peludas e irritantes que são os cachorros de pequeno porte. Já que decidimos ter um cão, pois eu já não agüentava mais minha filha pedir cachorro emprestado na vizinhança (já viram isso?), eu parti logo para o outro lado da escala: um São Bernardo (adoro), um Dogue Alemão... essas coisas. Minha cara metade, perspicaz, prevendo problemas futuros (mais), me puxou delicadamente para a realidade e assim optamos por um golden, fazendo com que o Koda entrasse em nossas vidas. Um filhote que de tão lindo, parecia até um brinquedo de pelúcia, e que cresceu assustadoramente, um pouco mais que o padrão de sua raça. Uma abanada de rabo levava todas as caixinhas decorativas da mesa de centro num piscar de lhos. Um leão era o que nós tínhamos então.
Convivendo diariamente com essa figura meiga e inteligente (põe inteligente nisso), eu pude aprender muitas coisas, como por exemplo, sobre a amizade incondicional e o simplesmente gostar de alguém. Aprendi também que um golden elegantemente deitado no sofá da sala de estar, uma samambaia longa e bem verdinha dentro de casa e crianças brincando por horas sentadas no tapete, você só encontra mesmo é nas telas de cinema. Aliás, o cinema alimenta muito bem a fantasia de termos um desses seres em nossos lares nos fazendo companhia. Mas a coisa não é bem assim. Já vi golden sentadinho, parecendo um adorno, até na cozinha. Adestrado para uns, um tanto dopado para outros (eu apostaria nessa segunda hipótese para explicar esse comportamento cinematográfico), um golden “in natura” jamais permitiria que alguém trabalhasse em paz numa cozinha... nem num escritório, onde me encontro agora. Se estivesse aqui neste momento, ele certamente estaria tentando se acomodar entre meus dedos e o teclado, não sem enorme euforia.
Se subtrairmos alguns fatores que me incomodavam profundamente, como o xixi que ele fazia invariavelmente no batente da porta do quartinho do fundo (todo dia tinha que ser lavado este espaço), os pelos longos que se juntavam em forma de bola, rolando pelo quintal como se fossem raízes e galhos secos ao vento no deserto, e o fato de ter que levá-lo todo santo dia para caminhar, o que sobrava da minha relação com o bicho era pura poesia. É... verdade.. poesia. Passado aquele momento conturbado de ter que sair correndo, engolindo as pressas o café, calçando qualquer coisa no pé e pegando a guia e um (três!) saquinhos de mercado para as necessidades do meu amigo, tudo ia aos poucos se acomodando. É aquele momento por mim batizado de “entre as pedras e as flores”.. da escalada da Coralina, Cora. A poesia ficava por conta da paisagem, do ar fresco das manhãs, do sol inundando o céu azul, ou da ausência deles, uma vez que dias nublados, mesmo plúmbeos, me encantam (deve ser algum resquício gótico da minha alma). Íamos apreciando as cenas, as pessoas, de vez em quando ele levava um pescoção, por insistir em parar em todo poste e árvore que encontrasse. Eu, com meus pensamentos, voava longe e só voltava a Terra quando tinha que, com todas as forças, contê-lo por ocasião da presença de um outro cão... macho... e do mesmo porte (curioso isso nos cães, rs ). Briguento!
Eu traçava vários trajetos, mas meu predileto era aquele em que depois de uns vinte minutos de caminhada, entrávamos no bosque da praça principal. Por uma vez apenas eu parei e fiz um carinho nele, algo como “Faaaala biiiicho”. Foi o suficiente para que ele, toda vez que adentrasse o bosque, parasse, encostasse a cabeça na minha perna e me olhasse como me perguntando se eu não faria o mesmo novamente. São momentos que eu não esqueci... tututu tu tututu.. “quando eu estou aqui..” Seria boa essa para um fundo musical canino, tá, eu sei, isso é um blog.
Acima de tudo, é um bicho grudento, que não se contenta em estar ao seu lado, ele quer mesmo é estar em você, com todos (ou quase todos) os significados que essa frase possa conter, inclusive fisicamente, parece que ele quer ser você.
E assim eu mantive essa relação semi-neurótuca por cinco anos com o bicho, entre tapas e beijos. Os beijos aconteciam mesmo, já os tapas, maneira de se dizer, o máximo que eu chegava era “esse trambolho desse cachorro, cachorro insuportável”, para logo em seguida “cadê esse bebezão”. Ridículo né? Aliás, humanos quando interagem com animais de estimação, liberam suas emoções, beirando muitas vezes o ridículo, no bom sentido, claro, na verdade é muito saudável, é que é engraçado. No meu caso essa interação consistia em pegar o bicho carinhosamente pelas orelhas, olhar nos olhos e “explicar” que eu voltaria depois de uns dias viajando, para que ele não se sentisse abandonado e se comportasse. Cada uma!! Tem que ter coragem para confessar isso na rede. Enfim..
Tudo isso pra dizer que ele se foi há duas semanas, com apenas 5 anos de idade e em plena forma. Coração, talvez. Fatalidade, com certeza, daquelas.. estilo mosca branca: eu deixo num canil de confiança e com boa reputação, um cão jovem, forte, saudável e bem tratado, viajo e quando eu volto, recebo um corpo canino na geladeira da USP, aguardando o laudo da autópsia, e a chegada do dono.
Tenho gasto parte do meu tempo ajudando minhas filhas a lidarem com perdas, e tentando adivinhar que tipo de pensamento me invadirá nas caminhadas. Por conta de que ficará a poesia...